Viver em Londres tem destas boas histórias
como a de hoje: Sir Peter Brook no National Theatre. Posso afirmar que
foi uma história feliz, apesar da fila enorme para os returns tickets,
acabei por entrar (felizmente acabo sempre por ter um bilhete,
mas sempre depois de sofrer com a impossibilidade de entrar). Sir Peter
Brook, depois de ter deixado o seu país, voltou ao National, não para
ocupar o cargo disponível de director artístico do cessante Nicholas
Hytner mas para falar do seu último livro The Quality of Mercy -
Reflections on Shakespeare. A conversa, com o jornalista Mark Lawson e o
público, foi curta, mas ainda assim um prazer. Eu não consegui evitar
rever-me naquela quantidade de pessoas que atentamente escutavam este
Mestre do Teatro. E se calhar arrisco dizer que o seu trabalho é sobre a
escuta, a escuta do Eu e do Outro. Vamos aos detalhes: Confessou que
poderia ter seguido o caminho previsto e depois da RSC ter seguido para o
National, mas a sua intuição seguiu outro caminho, foi à procura de um
novo Teatro onde fosse possível cruzar culturas, e que rejeitasse a
supremacia ocidental branca, claro está. Supremacia que ainda rejeita e
que nada explica o racismo que ainda se assiste, que nada explica
quererem fechar as fronteiras. "Fuck that" disse para um plateia
atónita e caucasiana. Mas não houve burburinho. E também ele poderia ter
seguido o caminho ocidental, mas como se sabe experimentou outros no
CICT no Bouffes de Nord. Falou-nos de um dos seus actores africanos
portentosos que não seria a primeira escolha para representar Ariel da
Tempestade mas que a troco da sua leveza de espírito, conseguiu
"inhabit Ariel". Distinguiu entre "Inhabit" e "Incarnate". Sendo que
para ele só um actor em cada geração consegue fazê-lo (Incarnate), mas
que se os restantes conseguirem "Inhabit" já é muito bom. Não referiu se
o actor que encarnou King Lear foi Paul Scotfield quando o representou
aos 40 anos. Humilde mas ainda assim determinado respondeu às questões
que vieram da plateia e por coincidência foram pessoas de diferentes
países. Falou-nos de Shakespeare, mas que o melhor era mesmo comprar o
livro. E foi isso que fiz. E claro que fiquei na fila para o o autógrafo
(1ª vez que fiz isto), e confesso que não deixei de me sentir como um
menino que vai pedir um desejo ao Pai Natal de barbas branquinhas.
Disse-lhe que era Português e que estava a estudar Teatro por Londres,
desejou-me boa sorte! Que mais poderia fazer... Ainda por cima com uma
fila enorme atrás de mim a desesperar pelo desejado autógrafo. Vamos lá
ler o livro que se faz tarde.